segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

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Munch - A criança doente

Na cama de um hospital

Na cama do hospital
Uma criança geme
Entre as grades malditas
Da sorte
Entre as garras e a desdita
Da morte
Uma criança geme
E chora

E um pai teme
E implora
A Deus
Que não o leve

Porque é pequeno
Porque é ladino
Porque, e apenas, porque
É o seu menino

A vida tem por vezes um leme
Que se compreende mal
Como quando uma criança chora e geme
Na cama de um hospital.

MC

3 comentários:

miguel disse...

Haverá absurdos, nesta vida , cuja morte é condição da própria vida?

Será mais absurda a morte de uma criança que a morte de um velho?

Como reage o Profissional experiente à morte de uma criança? Cada caso é um caso? É uuma simples incidência na rotina profissional?

Mário disse...

O animal que somos sente o hospital como uma das antecãmaras da morte. É inútil negá-lo. O cheiro da Morte impregna-o, e sabemos que "ninguém morre saudável", mas que todas as mortes começam pela doença, mesmo que instantânea, como no caso de acidentes ou mortes súbitas.

Que dizer, então, quando nem há a explicação biológica e fisiológica, aplicável aos que morrem velhos? Que dizer quando as gerações desaparecem em ordem inversa à que as leis da Natureza logicamente estipulariam?

Diz-se que os profissionais "se habituam a tudo". Se sim, então eu não sou bom profissional, porque cada morte a que assisti - e não foram poucas -, me deixaram vastas interrogações metafísicas e conceptuais. Mesmo aquelas "inevitáveis" - mas todas as inevitabilidades começam por um qualquer desvio evitável, mesmo que pequeno, que preside à evolução fenomelógica.

Tive já filhos internados, por doença aguda, nos cuidados intensivos, e sei o que senti - mas sei que senti não muito longe com os filhos dos outros. Mas com os nossos foi a sensação de "ele vai safar-se", "é tão pequeno", "é tão desprotegido", "falhei", "oxalá se aguente".

Este poema foi escrito quando do internamento do meu filho Eduardo, com 8 meses de idade. O pai que "teme e implora" era eu. Só que Deus não era Deus, mas apenas o algo que preside às escolhas fortuitas e aleatórias, que fazem um morrer e o outro não, em condições similares. O Deus das coisas, que não se arvora em omnipotente nem diz que é justiceiro - quiçá ele próprio apenas lacaio de um outro deus.

A morte é absurda, marcando a vida finita num animal que terá de ser eterno para alcançar o infinito a que se propõe. Mas o sofrimento e a morte de uma criança consegue ser ainda mais absurdo, se o superlativo existe.

catuxa disse...

Poema lindo e comovente.
Acho que há momentos em que todos imploramos a Deus, quer acreditemos quer não.